O pensamento de Montesquieu

O pensamento de Montesquieu

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Uma coisa não é justa porque é leimas deve ser lei porque é justa.

§ Montesquieu

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Charles-Louis de Secondat, Barão de La Brède e de Montesquieu (1689-1755), foi um filósofo social e político cujas ideias foram cruciais para o desenvolvimento do pensamento liberal e constitucional no Ocidente, sendo uma figura proeminente do Iluminismo francês. Marca indelével do seu pensamento é a teoria da separação de poderes e a natureza das leis que governam as sociedades humanas. Refletindo sobre a noção de liberdade, compreende-a como o direito de fazer aquilo que a lei permite (conteúdo negativo da lei). Considera que só existe liberdade numa situação política em que não ocorre abuso de poder, o que implica a existência de leis orientadoras da vida em sociedade, as quais dispõem sobre a «moderação» do poder como caminho para essa mesma liberdade. Como refere Guilhon Albuquerque (1991), até a Montesquieu o conceito de «lei» remetia a significações teológicas, correspondendo às normas divinas, isto é, à Lei de Deus. Nesse sentido, o conceito continha três dimensões: 1) expressão de uma certa ordem natural resultante da vontade de Deus; 2) um sentido de dever-ser, isto é, relacionado às expectativas de natureza divina; 3) expressão de uma autoridade. Dessa forma, citando Albuquerque (idem: 90), “As leis eram simultaneamente legítimas (porque expressão da autoridade), imutáveis (porque dentro da ordem das coisas) e ideais (porque visavam uma finalidade perfeita). Montesquieu pretendia escapar de uma moldura teórica sobre as leis e as instituições que continha a discussão sobre a legitimidade da origem das mesmas, a sua adequabilidade à ordem natural e a perfeição dos seus fins. Nesses termos, a discussão encontrava-se “destinada a confundir, nas leis, conceções de natureza política, moral e religiosa” (idem: ibidem). Para tanto, Montesquieu estabelece uma ponte com a física de Isaac Newton. Assim, a partir da fertilização da ciência empírica, Montesquieu estabelece um paralelismo interessante, aplicando mutatis mutandi o princípio da física – do mesmo modo que é possível discernir as leis que regem os corpos a partir da relação entre massa e movimento, é igualmente exequível vislumbrar as leis que regem os costumes e as instituições como relações resultantes da “natureza das coisas”. Aqui não há massa e movimento, mas antes uma relação de ordem política, entre quem exerce o poder e como este é exercido. Nesse sentido, as leis que regem as instituições políticas são derivadas das relações de classe em que se divide a população, as formas de organização económica e de distribuição de poder. Chegamos, assim, a “O Espírito das Leis” (1748), magnum opus de Montesquieu. Nesta obra, ele apresenta uma tipologia das formas de governo e explora a relação entre as leis, os costumes sociais e os princípios que regem diferentes tipos de sociedades. Montesquieu defende que as leis não são arbitrárias, mas sim o resultado das relações entre as pessoas, a geografia, o clima e a história de cada sociedade.

Ou seja, as leis são situadas, pelo que para que ocorra a formação das leis em cada país, há a necessidade da avaliação de um conjunto de fatores. A saber: o clima, o tipo de solo e sua extensão, o modelo da vida dos povos, a sua religião, as suas riquezas, o tipo de comércio. Em suma, as leis derivam da análise sociológica e antropológica de cada povo. São, estas, pois, as leis positivas, isto é, as leias e instituições criadas a fim de reger as relações sociais. Montesquieu avalia a urgência de tais leis pelo facto do Homem tender a se furtar às leis da razão, bem como às leis e instituições que ele próprio cria. Há, portanto, uma dimensão de relativismo cultural e legal subjacente ao pensamento de Montesquieu.

Releva, em seguida, a teoria da separação de poderes, que visa prevenir a tirania e promover a liberdade. Montesquieu pensou o equilíbrio das forças sociais, enquanto condição para a liberdade, no quadro de uma sociedade aristocrática, da qual fazia parte. No seu entendimento, a moderação do poder enquanto condição para a liberdade demandava que o poder fosse travado pelo poder. Desse modo, os nobres não poderiam sentir-se em segurança a não ser que os seus direitos fossem salvaguardados pela organização política. Assim, tanto a aristocracia quanto os partidos parlamentares operavam como forças intermediárias entre o povo e a realeza, produzindo uma situação de distribuição difusa do poder que evitaria o despotismo. Outro mecanismo idealizado por Montesquieu é o reconhecimento do poder dos costumes, considerando que aquilo que estes regem não deve ser objeto de leis. Esse quadro teórico consubstancia um liberalismo aristocrático.

Porque a lei é a ordenação da vida em sociedade, o garante da liberdade demanda pela separação do poder como mecanismo de freios e contrapesos. Existiriam, portanto, três poderes: (i) Legislativo: elaborar as leis e residiria no Parlamento, (ii) Executivo: aplicar as leis e executar políticas públicas, representado pelo governo e (iii) Judiciário: garantir o cumprimento das leis, centrado nos tribunais de justiça. Esta ideia influenciou profundamente a formulação das modernas democracias constitucionais, incluindo a Constituição dos Estados Unidos.

Citação do texto: João FERREIRA DIAS, “O pensamento de Montesquieu,” acessado a 30 Abril, 2024, in: <https://www.joaoferreiradias.net/5996/>.


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