Antropologia

A palavra “iaô” vem do iorubá Ìyàwó, designando “noiva” ou “noivo”, embora tenha precedência o uso para a noiva e esposa mais nova do agregado familiar iorubá. Este termo reflete a importância das relações sociais e do papel da mulher dentro da estrutura familiar iorubá, assim como a valorização da renovação e da continuidade através do casamento. Devido à influência cultural de Oió na formação na identidade iorubá e no Candomblé, o termo é usado para designar o/a noviço(a), ou seja, a pessoa que se inicia na religião, uma vez que a mesma se torna esposa da divindade.  Quando duas ou mais pessoas são iniciadas juntas elas formam “um barco de iaô”. Mas porquê “barco”? Com efeito, a origem do termo remete, obviamente, aos barcos ou navios negreiros, que traziam os africanos escravizados para o chamado Novo Mundo. Mas como um processo de comércio de pessoas, de violência inominável e coisificação pode ser usado para descrever um ato religioso? Aqui, a ironia da reutilização de uma imagem tão dolorosa revela uma profunda camada de ressignificação cultural: transformar um símbolo de opressão em um de libertação espiritual. A forma como eventos traumáticos são incorporados às culturas é um fenómeno interessante e que mostra a complexidade dos processos de reescrita da memória coletiva. Este aspeto é particularmente evidente na maneira como o Candomblé integra elementos da história de escravidão, não como uma recordação passiva, mas como um pilar de força e resistência. Sabemos que os africanos eram tratados como mercadoria e até ao século XX permaneceram desprovidos da totalidade dos direitos civis em muitos lugares.  A violência escravocrata é um processo de total desenraizamento e remoção da dignidade da pessoa, correspondendo a um trauma inquestionável. Este trauma, contudo, não silencia as vozes daqueles que foram subjugados; pelo contrário, ecoa nas práticas e crenças que sobrevivem e se adaptam. Talvez a melhor forma de compreender a incorporação de tais elementos na prática religiosa,…

O processo Atlântico de transferência de escravos e seus costumes para o Brasil, com enfoque em Salvador da Bahia, mas também para o Maranhão e Rio Grande do Sul, deu origem à ressignificação religiosa através dos sistemas designados por Candomblé, Tambor de Mina e Batuque, respetivamente, instituídos na viragem do séc. XVIII para o séc. XIX. Aportados ao Brasil escravocrata e de matriz cultural católico-português, os escravos viram-se jogados ao desempenho de papéis étnicos (que Parés1 chama de meta-etnicidades) múltiplos e volutáveis, negociados nas alteridades intra-africanas e dos africanos diante da sociedade escravista.2 Estas etnicidades – que surgiram como recurso para a organização das irmandades católicas na Bahia3 – foram importantes na construção das chamadas «nações de candomblé», tipologias rituais com claros ideais nacionalistas-étnicos africanos. É com estas tipologias que se se iniciam os discursos “de nação”, que viriam a ser convertidos – com determinante contribuição dos pioneiros nos estudos afro-brasileiros4 – num discurso de pureza, em particular de pureza nagô. Autenticidade e mercado religioso  Os discursos “de nação” veiculavam, ab initio, um princípio de autenticidade ritual e cultural, diante do avanço da crioulização (hibridismo) dos costumes africanos no Brasil. Estes discursos de autenticidade pré-datam um verdadeiro primado do mercado religioso, mas marcam, decisivamente, as relações entre práticas tomadas como autenticidades e degeneradas. A abertura do mercado religioso, com a liberdade religiosa e o surgimento da Umbanda, e colocando em cena a expansão do Candomblé, com a multiplicação vertiginosa do número de templos (terreiros) dentro de Salvador, mas também para novas geografias, com destaque para São Paulo, ganhando terreno à Umbanda a partir da década de 1950, reforçou as questões da autenticidade, mas igualmente tornou favorável o processo de hibridismo entre práticas díspares, ao mesmo tempo que colocou o campo religioso afro-brasileiro num intenso processo de concorrência. Nesse sentido, a autenticidade deixou de ser jogada, apenas, numa lógica de perda cultural e reforço “das raízes” (e até pela hierarquia entre templos, a partir do idioma da…

Segundo a cultura do Candomblé, ajuntó ou juntó designa os Orixás que acompanham o eledá (ẹlẹda), i.e., o Orixá que comanda o ori, a cabeça, da pessoa.[1] Trata-se de uma ordenação de natureza conceptual onde o sujeito é concebido como tendo, em regra, três Orixás, o primeiro que comanda e os outros dois que acompanham, os quais podem “tomar a dianteira” em determinadas circunstâncias, elaborando um quadro de referências que ajuda – na visão dos membros do Candomblé – a compreender e explicar a personalidade individual. O termo ajuntó ou juntó é objeto de grande discussão nas comunidades-terreiros. A explicação mais comum é que seria uma corruptela linguística de adjunto, ou seja, aquilo que se encontra unido ou ligado a algo considerado “primeiro”. No entanto, adjunto é uma palavra acentuada diferentemente de ajuntó. Todavia, se levarmos em consideração o facto de que as palavras em yorùbá possuem acentuação tónica na última sílaba, existe uma explicação similar plausível de que juntó derive do pretérito perfeito de juntar, “juntou”. Nesse cenário, juntó seria o Orixá que se juntou ao primeiro para formar uma tutela partilhada sobre a cabeça do sujeito, ainda que operando como “adjunto”. Explicação alternativa poderá residir na corruptela do termo yorùbá jùmọ̀, que quer dizer “junto”, “em companhia” [2]. Esta explicação etimológica encontra correspondência com a explicação popular de adjunto e com a proposta de corruptela do pretérito perfeito do verbo juntar. Modos e Desmodos: a normatividade do juntó  Não obstante as explicações etimológicas para o termo juntó, importa aqui trazer a debate a questão do cânone normativo do Candomblé e a sua universalidade no quadro dos terreiros. Segundo a ortopraxia baiana existem combinações específicas na formação do juntó aquando da iniciação de um neófito. São exemplo: Oxum Apará (Ọṣun Àparà) que vem acompanhada de Ogum Mejê (Ògún Méje) ou Logunede (Lògún-Ẹdẹ) que vem acompanhado de Oyá (Ọya). Tal facto diz respeito à construção da normatividade ritual e cosmológica do Candomblé, correspondendo ao que os “antigos” [3] consideraram como equilibrado e…

É consensual que a diáspora africana forçou a ressignificação cultural dos diversos povos aportados ao novo mundo, tendo sido necessária uma profunda «adaptação criativa» capaz de redesenhar o traçado identitário africano múltiplo. A experiência que foi das metaetnicidades (Parés 2006) ao Calundu e por fim ao Candomblé (Silveira 2006) resultou de um engenho africano de (re)inventar as suas tradições, num sentido clássico hobsbawmiano de permitir uma continuidade com um passado referencial, ainda que essa continuidade tenha sido elaborada sobre transformações profundas. No entanto, uma vez que o objetivo era o da preservação, estava em jogo uma intenção de memória altamente politizada, pretendendo assegurar uma espécie de continuidade ideológica-ritual a partir da mudança, ideologia essa sobremaneira elaborada em torno da década de 1930 (v.g. Castillo 2010). No entanto, enquanto movimentos como da Nova Era pretende o estabelecimento de uma nova ordem espiritual, no Candomblé toda a mudança pressupõe um primado de restauração de princípios primordiais. Todavia, o Candomblé é resultado não apenas do “turbilhão colonial” (Hall 2003) da diáspora, como do mesmo turbilhão em solo africano. Como lembra, por exemplo, Oyewùmí (1997), a introdução do género na sociedade yorùbá produziu mudanças profundas, sendo que a afirmação da nacionalidadeyorùbá resulta de uma contrarreforma tardia, designada por renascimento (Matory 2005).  O homem no Candomblé O lugar do homem no Candomblé é uma questão que merece uma análise criteriosa que impõe distinguir os terreiros baianos nagô-Kétu dos terreiros jeje e angolano-congoleses e, bem assim, levar em consideração a construção de uma tradição e de uma memória instrumentalizada. A instituição da narrativa do Candomblé como uma “cidade das mulheres”, idealizada por Ruth Landes a partir dos terreiros históricos nagôs-baianos, embate na realidade do seu tempo, década de 1930, como nota Matory (2008), onde a presença do sacerdote masculino era uma realidade demográfica expressiva. Ao mesmo tempo, é preciso levar em consideração que a agência masculina na fundação dos mais antigos terreiros nagôs, como Asiká ou Bámgbóṣé…

No quadro dos terreiros de Candomblé decorre um debate sobre a validade ortopráxica de se iniciar homens para o Orixá Obá. Pese embora a maioria dos terreiros não realize tal iniciação, em casas de Candomblé mais recentes, particularmente em contextos onde a filiação a terreiros históricos baianos opera de forma menos clara ou veiculada [1],  é mais comum encontrarmos homens iniciados para este Orixá. Tal facto  é um espelho reluzente da bricolage — para usar um termo de Roger Bastide — genética dos cultos aos Orixás e Vodun, quer em África quer na diáspora. A história de tais cultos não é contada tanto nas continuidades quanto nas adaptações criativas, nas ressignificações, simbioses, justaposições. As transformações de Ṣàngó (Xangô) de Òrìṣà entre os Òyó-Yorùbá até se tornar epíteto de ser-supremo entre os Anlo do Gana, juntamente com Mawu e Lisa (Gaba 1969; Ferreira Dias 2011), é de sintomático da forma como é preciso olhar tais religiões pelo viés das transformações. Com efeito, Mawu, que é considerado o ser-supremo (Deus) entre os fons do Daomé, tem a sua origem no culto de Yèmọ̀wo em Ifé, onde seria uma divindade feminina casada com Ọbàtàlà. Yemowo teria chegado ao território daomeano durante o reinado de Tegbesu, no séc. XVIII, por ação da mãe deste, de origem Aja. Lisa tem, igualmente, a sua origem em Ifé. Como sabido, as palavras yorùbá transpostas à fonética fon, vêm o “r” transformado em “l” e o som “sh” é suavizado. Nesse sentido, Lisa deriva de Olisa, que deriva de Òrìṣà, o nome original de Ọbàtàlà, termo que mais tarde se tornaria designação para todas as divindades do território falante do yorùbá. O GÉNERO ENTRE OS YORÙBÁ  Para se entender a questão da iniciação ou não de homens para Obá no Candomblé, é preciso inscrever o culto na questão de género. Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí, no seu livro The Invention of Women: Making an African Sense of Western Gender Discourses, obra que resulta da sua tese de doutoramento em Sociologia, argumenta, a partir de uma profunda análise da língua yorùbá, da historiografia e etnografias sobre os povos que se encontram designados como Yorùbá, que…

De todas as irmandades bahianas e até brasileiras, a que mais notoriedade tem e maior interessa desperta é, sem dúvida, a Irmandade da Boa Morte. Formada na segunda metade do século XVIII na Igreja da Barroquinha na cidade de Salvador, foi temporariamente parte integrante da Irmandade de Nosso Senhor Bom Jesus dos Martírios, passando, posteriormente, para as mãos de um grupo de ex-escravas originárias da nação Ketu, que por volta de 1820 ampliaram a sua organização e atuação até à cidade de Cachoeira, onde se encontravam os tradicionais Terreiros de Candomblé de origem Jeje do Dahomé, actual Benin, como a Casa Estrela, o templo das rumbonas (as grandes senhoras jeje). As mulheres da Boa Morte, moradoras no bairro da barroquinha, eram conhecidas como as negras do “partido alto” uma vez que pertenciam a uma espécie de elite afro-bahiana. Todas com mais de quarenta e cinco e iniciadas no culto dos Orixás, as irmãs da Boa Morte tinham por objectivo a compra da alforria dos negros, a preservação do culto aos Orixás, a socialização dos negros, exercendo um papel político importante na comunidade afro-brasileira, e claro está, a organização da Festa de Nossa Senhora da Boa Morte, que tem lugar entre os dias 13 e 15 de Agosto. Esta procissão ocupava lugar de destaque nas festividades bahianas, em especial junto das populações mais carenciadas, geralmente afro-brasileiras.  FESTA E CELEBRAÇÃO. Mantendo a tradição histórica da Irmandade, os fundos indispensáveis à realização da festa provêm dos donativos populares uma vez que a irmandade não tem fundos próprios para a organização dos eventos. Estas contribuições populares representam um acto que aproxima o profano e o sagrado, as populações e a instituição, e que trás consigo uma carga simbólica inerente à oferenda ou contribuição religiosa, isto é, a oferenda do devoto transforma-se numa dádiva do divino, tendo presente que no imaginário popular as mulheres da Boa Morte são detentoras de um poder especial do qual poderão advir coisas…

As culturas (religiosas) africanas não se veiculam, somente, no correr das ideias filosóficas e nas possibilidades metafóricas da linguagem religiosa. Além das ideias que configuram os “padrões de pensamento”, o fazer religioso constitui aspeto determinante na vivência quotidiana. Nesse fazer religioso cabem os rituais, desde os ritos propiciatórios de natureza sacrificial, aos ritos iniciáticos, e aos grandes cultos público, e a própria arte, enquanto materializam da memória religiosa e expressão desses padrões de pensamento. Além dos artefactos talhados, em geral representando as divindades e os monarcas, aparecem outros dispositivos culturais como as bonecas. No quadro cultural africano, a boneca não é considerada, simplesmente, um brinquedo. Ela é, simultaneamente, uma metáfora e uma materialização de proposições culturais. Entre essas proposições culturais encontramos a representação de defuntos e a oferenda pelas boas colheitas, pela saúde e, muito particularmente, como incentivo à fertilidade. É, neste último aspeto, que ela adquire maior relevo, porque a boneca tende a pertencer ao universo feminino. Não é por acaso que entre alguns povos africanos as bonecas são amarradas em torno da cintura das meninas, representando uma primeira etapa de encantamento do útero, propiciando o ventre feminino para a gestação saudável, uma vez que a beleza e a boa conceção da criança não dizem respeito ao biológico, mas antes ao cultural. Entre os Ashanti existe uma lenda/tradição oral, que relata a história de uma mulher que estando grávida esculpiu uma estatueta de madeira com as formas da criança desejada, tendo-a carregado consigo, às costas, até ao parto. A criança nasceu semelhante à estátua. Esta tradição oral é reproduzida entre as mulheres grávidas. AS ABAYOMI A boneca abayomi remete, em primeiro lugar, para o contributo cultural yorùbá à noção de africanidade no Brasil. Apesar de representar o coletivo das heranças africanas, razão pela qual não teria rosto, o seu nome é de tradição yorùbá, geralmente traduzido por “aquele(a) que traz felicidade/alegria”. Tal facto diz respeito à história da constituição das comunidades-terreiros…

É sabido que nas religiões afroamericanas as divindades “encantam-se” nas cores, as quais reproduzem aspetos de personalidade e da mitologia. Todavia, nenhum caso é tão significativo como o de Nàná (Nanã). Com efeito, é difícil encontrar uma ilustração de Nàná em que os seus trajes são estejam coloridos de roxo, tendo-se tornada esta cor a sua cor-padrão. Tal facto, explicita o impacto dos processos híbridos e sincréticos levados a cabo no Brasil, entre as culturas africanas e destas com o catolicismo. Trata-se de um processo que ao mesmo tempo preserva e transforma os objetos, num exercício de permanência e rutura que produz novos elementos (Dias 2020). A história do comércio de escravos para o Brasil, em particular no período da urbanização bahiana, a partir do séc. XVIII, dá-nos conta de um papel importante desenvolvido pelas confrarias católicas (v.g. Reis 1996, Reginaldo 2009, Parés 2014) na congregação e mobilidade social das populações negras. Esses espaços foram importantes lugares de sociabilidade, conquista de alforria e de preservação e ressignificação religiosa, impulsionando o encontro entre os imaginários católico e africanos, que mais tarde teriam forte desenvolvimento com o surgimento da religião Umbanda, no Rio de Janeiro, e a transformação do sincretismo afro-católico em doutrina e dogma. O culto de Nàná torna-se, então, paradigmático para entender este processo de tecelagem religiosa. Originário da região Oeste do Golfo do Benim, estando presente em diversos lugares e sob variações, que inclui a utilização do termo Nàná ou Nèné como categoria genérica, o culto de Nàná Bùrùnkú, está ligado à ancianidade feminina, chegando a desempenhar papel de ser-supremo em diversos lugares. A sua cor primordial em África é o branco salpicado de vermelho, o que nos leva à associação com o sangue como fonte de vida. Nos Candomblés mais antigos, a cor de Nàná permanece branco, desta feita com a pontual presença do azul escuro, cor associada à terra. No Brasil Nanã também é cultuada como idosa, associada…

Presente no brasão da república nigeriana, o cavalo está profundamente ligado à cultura do país, desde os povos islâmicos que o introduziram até aos yorùbá. Estima-se pelo ano de 1400 o estabelecimento de Òyó como cidade. De acordo com Stride & Ifeka (1971), o primeiro monarca de Òyó teria sido Oranmiyan Omoluabi Odede, originário de Ifé, que viria a ser sucedido pelo seu filho mais velho, Dada Ajaká, um rei desprovido de espírito militar que viria ser deposto, sendo sucedido por Sàngó, o seu irmão mais novo, que se revelaria um monarca extremamente combativo. Após a morte deste, Ajaká teria regressado ao trono, apresentando-se muito mais violento e combativo. Todavia, seria Kori, sucessor de Ajaká, a conquistar a área que se denomina por Òyó metropolitana, iniciando-se um período de um século de enorme expansão. Com a morte do Aláàfin Olúwásò e a entrada em cena do seu filho, o oitavo Aláàfin, Onigbogi, Òyó enfrenta o colapso às mãos do poderoso exército Nupé, a quem os Òyó chamavam de Tapá, e que eram liderados por Tsoede (Stride & Ifeka 1971), por volta de 1535, tendo a família real partido para o exílio no reino de Borgu (Oliver & Atmore 2001). Este período de exílio durou 80 anos, durante os quais os Nupe tomaram conta da região de Òyó. O séc. XVII marca o período da reconquista de Òyó, graças a um exército bem organizado, com fortes armaduras e, acima de tudo, montado a cavalo. Com um novo poderio militar, Òyó é reconquistado e uma nova capital é erigida, Òyó-Igboho. O Cavalo na Religião Este pequeno trecho histórico introduz o tema do cavalo. Na cultura Yorùbá o cavalo é associado, portanto, à realeza, representando a superioridade do reino de Òyó. De acordo com fontes orais e textuais, Sàngó era um exímio cavaleiro, tendo possuído um estábulo real de 10.000 cavalos. Tal aspeto está extremamente presente no culto de Sàngó, onde se afirma…

Ruth Landes (1908-1991) foi uma antropóloga norte-americana (estadunidense) formada pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque, influenciada pelo pensamento  de Franz Boas, o pai da Antropologia americana, e grande teórico do relativismo cultural.  Ruth Landes integrou um ciclo de estudiosos americanos que viajaram ao Brasil para conhecer os processos de adaptação e preservação cultural e identitária negra, em especial na Bahia. Landes permanece na Bahia entre 1938 e 1939, período no qual foi perseguida pela polícia da era Vargas,  acontecimentos bem documentados na sua belíssima obra, A Cidade das Mulheres, onde construção literária e etnografia se cruzam de forma magnífica. Ruth Landes, era, antes de mais, uma mulher corajosa, que enfrentou um divórcio, que partiu sozinha para a Bahia e teve uma relação interracial, numa época conturbada como a de 1930. Com efeito, a sua relação com o intelectual negro, Edison Carneiro, autor da obra Candomblés da Bahia, era um dos motivos da sua perseguição. Esse enlace amoroso era público, e foi tornado literatura em A Tenda dos Milagres de Jorge Amado. Carneiro foi influente no percurso etnográfico e no olhar de Landes sobre o Candomblé, assim como Landes influenciou o pensamento de Carneiro. A eles se juntou Arthur Ramos, outro intelectual e académico de relevo na Bahia de então. A corajosa Ruth Landes, era, também, uma convicta militante feminista e esse aspeto foi determinante na construção do seu quadro teórico em A Cidade das Mulheres.  A partir de estudos de caso concretos, nomeadamente o Gantois, na época de Mãe Menininha, Ruth Landes postulou uma teoria que, como afirma o antropólogo James L. Matory, “inverteu o curso da história”, uma vez que Landes pretendeu usar o Candomblé como símbolo do matriarcado. Desconsiderando, muito provavelmente de modo intencional, a vasta presença de sacerdotes masculinos ao longo da história do Candomblé, inclusive na fundação dos mais tradicionais templos baianos, bem como a existência, por exemplo, do renomado sacerdote Nézinho da Muritiba, com quem dificilmente Landes não se terá cruzado no Gantois, onde  ele assumia…

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